quinta-feira, 4 de setembro de 2008
quarta-feira, 20 de agosto de 2008
CASA DA TIA DA COHAB. SAFRA 2008. ENVELHECIDA DESDE JUNHO.
- Saca, quando você sabe que alguma coisa está errada, mas você não sabe exatamente o que é?
- eu acho que você anda escutando muito Bob Dylan.
- sério?
- sim.
- você acha que eu devia parar?
- não sei se parar. Mas dar um tempo. É perigoso gostar tanto de bob Dylan, ele faz com que você tome certas decisões que são sérias demais para um fã.
- é.
- não que isso seja um motivo para você se preocupar.
- não, né?
- acho que não.
(...)
- eu acho que só depois do meu pé na bunda foi que eu descobri de novo a minha masculinidade. Eu acho que depois do pé na bunda eu fiquei mais homem.
- é, eu também fiquei mais macha.
(...)
- o quê que tu ta escrevendo?
- quer ouvir?
- Pode ser.
- “Um tempo levou para eu entender todas as conexões que parecem que só agora passam a fazer sentido. Observar os dias de longe, do alto, com a sabedoria do tempo. Esse é o canal. Talvez morrer seja ir, lentamente, acumulando filtros de tempo em frente aos nossos olhos. Mas ao invés de cegos, nos tornamos serenos. E eternos. Muitos morrem antes de enxergar. Muitos.” O quê que tu achou?
- Não sei.
- Será que eu deleto?
- Ah. Na dúvida salva.
(...)
eu sempre sobro no final.
Eu - Toda a fumaça contem fantasmas.
Você - Toda a noite contem perigo.
Eu - Todas as seringas contem doenças.
Ele - Infeccione-me antes que o tempo acabe.
Você - Contamine-me antes que fique tarde.
(...)
- tudo o que sobrou da nossa briga foi eu me enxergar dentro do olho dela.
- você se reconheceu dentro do olho do seu inimigo.
- sim.
- “reconhecer-se frágil é saber-se forte”. Coisa de japonês.
- como é que tu saca essas coisas?
- foi tu que sacou.
terça-feira, 19 de agosto de 2008
GATO NEGRO - cabernet sauvignon - valle de chile 2006
Estou de volta a essa casa de onde é tão complicado partir. Passei um tempo em Buenos Aires. Não gosto muito de contar detalhes sobre os dias. Ou prefiro esconder os meus dias em detalhes. Pequenos fragmentos que, se forem examinados com atenção, podem entregar a cena que eu prefiro esconder. Eu sempre preferi me revelar apenas aos que pretendem me descobrir. Escrever para aqueles que precisam ler. Falar aos que querem escutar.
É tão fácil me dar por vencido.
Agora toca Bob Dylan e é tão fácil me dar por vencido quando ele canta. Minha boca dói. Colocaram mais pinos dentro dela. Não sei quando a dor vai passar, então eu bebo. Eu nunca devia ter brigado como eu briguei. Eu nunca devia ter falado as coisas que eu falei. Agora toca To Ramona e eu sei que nada disso importa. A briga que tivemos. Os dentes que eu perdi. A cicatriz no meio da testa do seu rosto. Eu queria te conhecer quando me olho no espelho. Mas tem sido cada vez mais difícil te encontrar. Tem sido cada vez mais difícil encarar no espelho e não te encontrar do outro lado. Se um dia você voltar é quase certo que eu não saberei mais por onde te abraçar.
Passei uma semana caminhando por Buenos Aires. Ninguém sabia que nos cafés dos finais dos dias o meu coração tremia e eu sentia tão forte o medo de morrer. O medo de ir embora sem partir. O fantasma do meu avo esteve tão presente nesses dias em Buenos Aires. A isquemia sempre presente. O meu avô vegetando na cama. Os seus pensamentos que ninguém consegue precisar até onde chegam. As doenças sempre são hereditárias. É difícil suportar os dias sabendo que o pior talvez nos espere.
Eu queria conseguir entender pq é tão complicado fazer o que não é necessário. Eu queria talvez conseguir te contar uma historia desnecessária. Eu queria saber um pouco menos do que você precisa. Eu queria ter mais tempo de vida. Eu não queria ter perdido tanto tempo da minha vida. Eu queria saber quais foram as escolhas que me fizeram chegar tão atrasado até mim.
Mas hoje é uma terça-feira e nas terças-feiras é complicado fazer o mundo ter sentido.
Estou de volta à casa dos meus pais esperando que os parafusos sejam aceitos pela gengiva. Os parafusos maiores demoram um pouco para serem assimilados pela carne. Sempre que presto atenção no gosto da minha saliva eu sinto gosto de sangue e nós não devíamos ter brigado naquela noite. Eu devia ter perguntado o seu nome antes de responder o meu. Eu devia ter bebido dentro do meu quarto. É sempre mais seguro beber entre quatro paredes. Eu queria agora passar a língua dentro da minha boca e sentir os meus dentes todos sem nenhum faltando.
Mas agora tudo dói e o vinho arde. Por isso não vou abrir o Tannah que trouxe da argentina. Por isso toca Dylan. Ele entendia a sabedoria dos vinhos quando baratos. Eu entendo a dor dos dentes quando perdidos. A dor dos implantes quando rejeitados. A dor de não saber fazer tudo o que não seja necessário.
Por isso eu te entreguei os meus dentes. Para sentir nas gengivas o gosto metálico dos pinos.